Presidente do IQC fala sobre desinformação no Nobel Summit 2023

Natalia Pasternak participou de painel de evento promovido pela Fundação Nobel nos EUA que debateu o combate às mentiras e enganos que corroem confiança do público na ciência e instituições.

A presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak, participou nesta sexta-feira, 26 de maio, de debate sobre combate à desinformação no último dia do Nobel Summit 2023. Sob o tema Truth, Trust and Hope (“Verdade, Confiança e Esperança”), o evento promovido pela Fundação Nobel em parceria com a Academia Nacional de Ciências dos EUA reuniu ganhadores do Prêmio Nobel, especialistas, líderes políticos e empresariais, jornalistas, educadores e lideranças jovens durante três dias em Washington para discutir o problema que vem corroendo a confiança do público na ciência, cientistas e instituições, e suas possíveis soluções.

Com o título “Misinformation and disinformation in Latin America: the public, the media, the science” (“Informações erradas e desinformação na América Latina: o público, a mídia, a ciência”, em tradução livre), o painel com Pasternak abordou as iniciativas contra a desinformação na região, entre as quais estão justamente o IQC e sua missão de defesa de políticas públicas baseadas em evidências científicas. Realizada em formato virtual, a discussão foi mediada por Jerónimo Giorgi, jornalista e fundador do projeto Latinoamérica21, voltado para produção e difusão de análises, textos de divulgação científica e opiniões especializadas sobre questões políticas, econômicas e sociais na América Latina, e também teve a participação de Marco Schneider, pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) e professor de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Abrindo o debate, Schneider destacou a necessidade de diferenciar informações equivocadas de desinformação, em que a mentira, a descontextualização e o exagero entre outras táticas são usadas deliberadamente com o objetivo de enganar o público, muitas vezes com interesses políticos ou econômicos, tendo como agentes desde “inocentes úteis” às grandes plataformas de mídia digital e redes sociais, as chamadas “big techs”.

“Nossa época é marcada por uma proliferação sem precedentes de desinformação em termos de quantidade, variedade, customização, capilaridade, velocidade, escala e ubiquidade, ao ponto de terem sido cunhados e popularizados nos últimos anos termos como pós-verdade, fake news e infodemia para designar fatores que se retroalimentam”, disse.

Pasternak, por sua vez, focou suas intervenções na desinformação em ciência, suas estratégias e perigos. De início, a presidente do IQC lembrou que antes da pandemia de COVID-19 a ciência não costumava a fazer parte debate público, sendo vista, e noticiada, mais como entretenimento, um “intervalo” entre temas mais “pesados” como política e economia. Com a pandemia, no entanto, a ciência foi alçada a um papel central na atenção do público e da sociedade, posição que não estava preparada para ocupar.

“Nunca tivemos a preocupação como cientistas, comunicadores e educadores de ciência de mostrar a ciência como um processo de investigação. Sempre apresentamos a ciência para o público e para os estudantes como um aglomerado de conhecimento que já vem pronto, que vai cair na prova com respostas de ‘sim’ ou ‘não'”, lembrou. “Então treinamos gerações de cidadãos que querem respostas prontas para questões como ‘é para usar máscaras ou não é?’, ‘mas a vacina funciona ou não funciona? Protege ou não protege?’. ‘Sim’ ou ‘não’ era o que a população queria saber de nós cientistas durante a pandemia. É agora para explicar que a ciência é um processo de investigação da realidade que muda de ideia diante de novas evidências e da crítica de nossos pares? A gente nunca explicou isso. Então agora temos uma população que aprecia a ciência como entretenimento e quer respostas de ‘sim’ ou ‘não’, mas temos que dar respostas que dizem ‘talvez’, ‘depende’, ‘pode ser’ e que amanhã pode ser diferente”.

Esta noção da ciência como absoluta e fonte de certezas, porém, acabou sendo apropriada pelos disseminadores de desinformação.

“A desinformação, feita por pessoas que lucram com isso, oferece as respostas de ‘sim’ ou ‘não’ que as pessoas tanto querem escutar”, lamentou. “A desinformação vai vender certezas absolutas e vai dizer, por exemplo, que a vacina não funciona, mas a cloroquina sim. Então se a gente não se preocupar em ensinar o processo da ciência, e ensinar como funciona a desinformação, porque que ela é tão atraente, vamos ter que lidar para sempre com uma população que tem seus medos, suas angústias, suas ansiedades acolhidas pelos vendedores de certezas, enquanto a ciência de verdade é baseada em incertezas. A ciência é baseada em um processo investigativo do que a gente não sabe, mas tem um monte de gente ganhando dinheiro dizendo que tem certeza “.

Pior, acrescentou a presidente do IQC, é que para “vender” estas certezas os produtores de desinformação muitas vezes o fazem espalhando medo. Ela deu como exemplo claro disso o movimento antivacina, que tem grupos especializados em disseminar desinformação tendo como alvo mães.

“É uma desinformação produzida especialmente para meter medo da vacina em mulheres que têm filhos, numa estratégia de disseminar terror, colocando o dedo na cara delas e dizendo ‘se você vacinar seus filhos e acontecer qualquer coisa, um efeito adverso grave, uma sequela, a culpa é sua que decidiu vacinar!'”, citou. “Então estas mães ficam paralisadas sem saber o que fazer. E aí, depois de aterrorizar, estes desinformadores vão ganhar dinheiro, pois depois que enfiam o dedo no nariz e falam ‘a culpa é sua’ vem a continuação da história, que ‘a culpa é sua, a não ser que você compre o meu livro, assine a minha newsletter, compre este suplemento natural que eu vendo no meu site e tudo isso vai fazer com que você nem precise vacinar as suas crianças, que não vão precisar destas vacinas cheias de químicos’. Compre, assine, compre mais isso aqui, é assim que este pessoal ganha dinheiro”.

Diante disso, disse Pasternak, a solução passa pela educação e uma transformação de como a ciência é apresentada e ensinada, do ensino fundamental ao superior. Ela lembrou que muitas vezes as pessoas saem de cursos universitários de áreas de carreira em ciências como biologia, química, física sabendo usar o método científico para os projetos nas suas áreas de formação, mas não transpõem este tipo de pensamento e abordagem para sua vida cotidiana, para suas decisões do dia a dia, acabando vítimas da desinformação.

“São pessoas capazes de desenhar sua metodologia de pesquisa de maneira impecável, mas têm dúvidas sobre se vacinas são eficazes, se este ou aquele remédio funcionam, se o aquecimento global é real” disse. “Então transpor o pensamento científico, o pensamento cético, crítico, para o dia a dia é algo que precisa ser ensinado”.

A presidente do IQC citou como exemplo disso estudo conduzido por Kathleen Dyer e Raymond Hall, pesquisadores da Universidade do Estado da Califórnia, que comparou o ensino do método científico da maneira convencional em um curso na própria universidade com uma turma de um curso específico que ensinava o pensamento crítico, abordando temas como o funcionamento da ciência, o que são evidências científicas, como identificar e diferenciar ciência de qualidade de estudos mal feitos ou pseudociências. Com base em questionários respondidos pelos alunos antes e depois dos cursos sobre o que chamaram de “crenças não justificadas” – que incluíram os mais diversos conceitos anticientíficos ou pseudocientíficos, folclores etc -, eles verificaram que os que passaram pelo curso sobre pensamento crítico exibiram uma queda acentuada no endosso a este tipo de crenças, contra uma manutenção deste endosso entre os que tiveram as aulas convencionais sobre método científico.

“É um trabalho que mostra que estes conceitos têm que ser ensinados. Eles não são intuitivos nem automaticamente absorvidos quando a pessoa passa por um curso de ciência ou de metodologia científica”, avaliou. “E isso se passou numa universidade. Agora, imagina isso num ensino fundamental e médio em que ainda ensinamos ciência de uma forma conteudista, como um aglomerado de fatos que a criança precisa decorar porque vai cair na prova. Então mudar a maneira como ensinamos a ciência e começar a ensinar pensamento científico, pensamento crítico, vai fazer com que a gente tenha uma nova geração de cidadãos muito mais conscientes, que saibam usar a ciência para questões do cotidiano, se vai ou não vacinar os filhos, que produtos comprar no mercado, normal, orgânico, o que está escrito que é transgênico. Decisões do dia a dia que vão tomar com base no que a gente sabe ou não sabe de ciência, e garantir que o gestor público também saiba basear suas decisões em ciência”.

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