Coqueluche: como está a vacinação no Brasil?

Por Antonia Teixeira
Gráficos por Gabriel Maia e Victor Luccas  

Considerações iniciais 

Entre janeiro e maio de 2024, a cidade de São Paulo registrou um aumento significativo dos casos de coqueluche, amplamente reportados na imprensa. Apesar dos números não serem suficientes para caracterizar um surto da doença, eles exigem que se olhe para os fatores que levam à propagação da Coqueluche, em especial aos índices de cobertura vacinal.

A Coqueluche é uma doença infecciosa aguda altamente transmissível, que compromete o aparelho respiratório e é especialmente perigosa para bebês. A transmissão ocorre principalmente pelo contato direto com seu agente, a bactéria Bordetella pertussis, por meio de gotículas eliminadas na fala, tosse ou espirro. O paciente pode transmitir a doença do quinto dia após a exposição até a terceira semana depois do início das crises de tosse típicas, com som de “guincho”, chamadas de paroxismos. Crianças menores de seis meses podem ter um quadro mais longo, durando de quatro a seis semanas. A imunidade ocorre pela doença, gerando uma proteção que, embora duradoura, não é permanente; ou pela vacina com componente coqueluche, recomendada no esquema de três doses no primeiro ano de vida e doses de reforço, que protege contra Difteria, Tétano e Coqueluche (Pertussis). 

A vacina disponível atualmente no calendário nacional de vacinação é a pentavalente, composta dos componentes difteria, tétano e coqueluche, haemophilus Influenzae b e hepatite B (DTP+Hib+HB). A imunidade conferida pela vacina dura em média de 5 a 10 anos, quando então diminui ou desaparece. Em indivíduos não adequadamente vacinados ou vacinados há mais de cinco anos, a coqueluche pode manifestar-se sob formas atípicas, com tosse persistente, porém sem paroxismos ou vômito pós-tosse.  

A população alvo consiste nos menores de 1 ano de idade para o esquema primário de três doses,  crianças de 1 ano de idade para a primeira dose de reforço e 4 anos de idade para o segundo reforço. 

Os dados para a análise aqui apresentada são do Datasus, obtidos na plataforma VacinaBR, desenvolvida pelo Observatório de Políticas Científicas do Instituto Questão de Ciência (IQC) com o apoio da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). 

A coleta de dados na plataforma VacinaBR foi feita selecionando a opção “Por doença” que considera na  sua composição os vacinados no período com vacinas que contém o componente coqueluche: DTP; DTP+Hib+HB; DTP+Hib+HB. 

Coberturas vacinais para coqueluche 

A análise da cobertura vacinal para coqueluche em menores de um ano de idade, considerando aqueles com a terceira dose de vacinas com componente coqueluche, mostra que no período de 2000 a 2022 o índice nacional oscilou entre 68% e 100%. As coberturas foram, em geral, menores em estados das regiões Norte e Nordeste do País. As variações máxima e mínima estiveram entre 146% e 38% no Amapá (AP), em 2001 e 2020 respectivamente. Neste mesmo estado as coberturas vacinais estiveram abaixo da meta em todos os anos, com exceção de 2001. As baixas coberturas vacinais também chamam a atenção no Amazonas e em Roraima. Este último estado apenas alcançou a meta dos anos de 2000 (CV 129%), 2009 (CV 100%) e 2012 (CV 97%).

Em relação às demais unidades federadas, é clara a queda de cobertura a partir do ano de 2012, acentuando-se nos últimos anos da série, com valores abaixo de 95% em todos os estados a partir de 2019. Contudo, um discreto aumento pode ser notado em 2022 na maioria deles.

O mapeamento de coberturas no contexto dos municípios para o ano 2022 mostra que 139 municípios no País, concentrados nas regiões Norte e Nordeste, ficaram com índice de cobertura abaixo de 50%. Por outro lado, 121 municípios dessas regiões registraram coberturas acima de 120%, refletindo a heterogeneidade dos resultados alcançados no Brasil. Neste mesmo ano de 2022, somente 38% dos municípios alcançaram a meta de coberturas estabelecida em 95% da população alvo ( 2.128 dos 5.569 municípios com dados disponíveis).

O Estado de São Paulo atingiu ou esteve com índices próximos da meta de 95% de cobertura entre os anos de 2000 e 2011, com oscilações nos anos seguintes, apresentando cobertura abaixo da meta desde 2014.

Já no município de São Paulo, a cobertura vacinal esteve abaixo da meta de 95% para a maioria dos anos entre 2000 e 2022, tanto para as doses do esquema primário nos menores de 1 ano, quanto para as duas doses de reforço em crianças de 1 e 4 anos de idade. A partir de 2015, nenhuma dose atingiu a meta de cobertura de 95%.

Nas unidades federadas vistas por cada região administrativa, as coberturas vacinais com 1° reforço em crianças de 1 ano de idade seguiram a tendência de queda observada nas coberturas com 3ª dose no primeiro ano de vida. Nos primeiros anos da série analisada, a cobertura nas regiões Norte e Nordeste encontravam-se baixas com valores inferiores a 50% em alguns dos estados. A partir de 2003 nota-se uma melhora nas duas regiões, que se mantém até o ano de 2014 no Nordeste. Nas demais regiões, já nos primeiros anos da série as coberturas vacinais em geral estavam acima de 60%, atingindo níveis mais elevados e próximos da meta de 95%. 

Vale destacar a amplitude dos índices de coberturas do Rio de Janeiro, variando entre 86,5% em 2012 e 34% em 2019. A partir de 2016 houve clara redução nos índices alcançados para todos os estados, com pior desempenho em 2019, quando a maioria das coberturas caíram para menos de 60%.

Homogeneidade de coberturas vacinais 

Um dado importante a ser considerado é a homogeneidade de coberturas vacinais, que é a porcentagem de municípios que alcançaram a meta de cobertura para determinado imunizante em uma região. Quando observada a homogeneidade para coqueluche em intervalos de 5 anos, nota-se, conforme a figura abaixo, uma irregularidade na proporção de municípios com cobertura adequada.

O ano de 2010 apresentou melhor desempenho no indicador, com 18 (66,6%) das 27 unidades federadas tendo alcançado a meta em pelo menos 70% dos seus municípios. O oposto aconteceu em 2022, quando menos de 70% dos municípios de todos os estados atingiram a meta de 95% de cobertura vacinal. De modo geral, a região Norte apresentou resultados piores comparada às demais, cabendo no entanto destacar o bom desempenho de Rondônia, onde, com exceção do ano de 2022, 70% ou mais dos municípios tiveram coberturas vacinais adequadas. 

Taxa de abandono  de vacinação

O abandono de vacinação reflete a capacidade (ou não) do serviço em fixar o usuário que buscou o programa regular de vacinação: quanto maior o índice, maior a proporção de pessoas que começaram o esquema de vacinação mas não tomaram todas as doses. Os dados da Tabela 2 mostram que a taxa de abandono variou significativamente, com índices negativos nos primeiros 5 anos da série em 14 unidades federadas,  ainda que todas tenham taxas acima de 10% em pelo menos um dos anos. 

É alta a taxa de abandono nos estados da região Norte, chamando a atenção a situação do Amapá no ano de 2020, quando 52% das crianças que iniciaram o esquema vacinal não receberam a terceira dose antes de completar um ano de idade. Por outro lado, Rondônia se destacou na região com o melhor desempenho: com exceção do ano de 2020, o estado conseguiu manter uma taxa de abandono entre baixa e média em todos os anos. 

Incidência da coqueluche 

Os dados disponíveis da ocorrência de coqueluche no país para o período de 1998 a 2022 indicam que houve queda na incidência a partir do ano 2000 até 2010, mantendo-se abaixo de 1.500 casos por ano. O número de casos voltou a subir nos anos seguintes, com um pico importante no ano de 2014, com mais de 8 mil casos. 

Já o número de óbitos registrados por coqueluche no mesmo período segue a tendência da curva de casos, mostrando 2 picos em 1998 e 2014 (ao redor de 25 e 125 óbitos, respectivamente), e números muito baixos a partir de 2020.  

Os coeficientes de incidência médios por 100 mil habitantes em cada estado e Distrito Federal mostram que a média do quadriênio 2011/2014 foi mais alta comparada aos demais períodos, registrando entre 0,5 e 10 casos para cada 100 mil habitantes. A partir daí observou-se queda acentuada para todas as unidades federadas no quadriênio 2019/2022, quando foram registrados menos de 0,5 casos para cada 100 mil habitantes, com exceção de Roraima e Amapá (com incidência média entre 0,5 e menos de 1 caso por 100 mil habitantes). 

Considerações finais 

É indiscutível que as ações de imunizações mudaram radicalmente a ocorrência de doenças por meio de vacinas em todas as regiões do mundo. No Brasil, apesar dos desafios encontrados pelo Programa Nacional de Imunizações desde sua criação em 1973, a vacinação infantil é uma das grandes responsáveis pela diminuição da mortalidade por doenças imunopreviníveis nos últimos 50 anos.

Contudo, nos últimos anos, observou-se um declínio nas coberturas vacinais, em particular relativas às vacinas do calendário da criança. Essa queda começou discretamente por volta de 2012 e acentuou-se a partir do ano de 2016. Este cenário preocupa as autoridades de saúde, dado o risco de recrudescimento de casos de doenças já eliminadas ou controladas, como foi o caso do sarampo em 2018, que, após receber certificação da eliminação da circulação viral no país, voltou a ocorrer. 

A análise feita neste documento, especificamente voltada para as coberturas de vacinas com componentes coqueluche, mostrou que nos primeiros anos da série histórica, de 2000 a 2012, os índices estiveram mais elevados do que no período subsequente, em particular de 2016 a 2021, demonstrando discreta elevação no ano de 2022., Segundo dados disponíveis na Rede Nacional de Dados em Saúde, a cobertura segue em crescimento no ano de 2023. 

Os demais indicadores analisados indica que ainda há fragilidade nos serviços de saúde tanto na capacidade de captação da população alvo para vacinação, com importante parcela de municípios com coberturas abaixo da meta (heterogeneidade de resultados), bem como na fixação do usuário que chegou ao sistema de saúde, como mostram as altas taxas de abandono de vacinação. Estes problemas se acentuaram nos últimos anos, o que sustenta a preocupação da reincidência de casos. Apesar de mais sério nas regiões Norte e Nordeste, este é um problema que abrange todo o País, como mostrou o pico de coqueluche de 2013/2014, que não se limitou aos estados com menores coberturas.    

Recentemente, a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo registrou aumento na incidência de coqueluche comparada ao período pandêmico de covid-19. Embora os técnicos não considerem que está ocorrendo um surto, este registro é um alerta para que se monitore a ocorrência de casos em todo o território, além de um chamado ao fortalecimento das estratégias de vacinação em prol da retomada dos elevados índices de coberturas vacinais que o país já teve a partir de meados da década de 1990. Não são aceitáveis as perdas das conquistas alcançadas no país, que tem um programa público de vacinação dos mais avançados do mundo. 

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