Medida Provisória ameaça contingenciar FNDCT, fonte de financiamento de C&T no Brasil

Na semana entre 29 de agosto e 2 de setembro, também se propôs a criação de uma nova universidade federal. E a Constelação Familiar voltou à pauta do Congresso.

Daniel Liberatore/Arte IQC

Uma das principais fontes de financiamento para o setor de ciência e tecnologia (C&T) no Brasil, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) pode ter seus recursos contingenciados parcialmente pelo governo até 2027 se a Medida Provisória 1136/2022, proposta pela Presidência da República em 29 de agosto, for aprovada.

Essa MP altera a Lei 11540/2007 para prever que o FNDCT só poderá investir a totalidade de sua arrecadação em 2027. Entre 2023 e 2026, apenas uma parcela poderá ser utilizada (58% em 2023, 68% em 2024, 78% em 2025, 88% em 2026 e 100% em 2027). O restante seria contingenciado.

De acordo com o documento de emendas apresentado pelo Congresso, esses contingenciamentos representariam, ao todo, uma redução de R$ 11 bilhões nos investimentos em C&T para os próximos 4 anos. No total, o Congresso apresentou 15 emendas à MP até 1º de setembro. A proposição tramita a uma velocidade 58% maior do que outras do mesmo tipo. 

A finalidade, nas palavras da MP, é “compatibilizar o relevante apoio financeiro da União às ações de Ciência, Tecnologia e Inovação por intermédio do referido Fundo, as quais são da maior relevância ao desenvolvimento econômico e social do país, ao regramento fiscal vigente bem como às restrições fiscais por que passa o Orçamento Geral da União (OGU)”.

A MP contraria o conteúdo da Lei Complementar 177/2021, que impede o contingenciamento do FNDCT.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969, é uma reserva de dinheiro feita pelo Estado brasileiro para investir na pesquisa científica nacional.

O dinheiro acumulado no FNDCT vem de diversas fontes, as principais são os quinze fundos setoriais. De modo geral, esses fundos consistem em pequenas porcentagens de dinheiro tiradas de diversos setores da economia, e que depois precisam obrigatoriamente serem reinvestidas em pesquisa e desenvolvimento nesses mesmos setores.

Outras proposições

O PL 2391/2022, apresentado em 31 de agosto pelo deputado Guiga Peixoto (PSC), busca incentivar a inovação e pesquisa científica e tecnológica no setor espacial. A ideia de fomento a essa área já aparecia em um PL anterior, de número 7526/2010, mas ele foi rejeitado por não mostrar qual parcela do investimento no setor viria de concessões tributárias do governo. O projeto atual aguarda mais tramitações.

Proposto em 2007 por Rosalba Ciarlini, senadora à época, o PL 2519/2007 autoriza o Poder Executivo a criar a Universidade Federal do Seridó Potiguar, por desmembramento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Esse PL tramitou 31 vezes ﹘ 28% mais rápido do que outras do mesmo tipo ﹘ e se insere em um debate complicado sobre a viabilidade de se criar novas instituições de ensino superior público em vez de aumentar os investimentos e racionalizar a operação das que já existem.

De acordo com a proposta, os campi da UFRN localizados nas cidades de Caicó e Currais Novos passariam a compor a UFSER. Para a autora, isso ajudaria a democratizar o ensino superior, “atingindo a demanda de uma região com cultura e economia peculiares”.

Em sua última atualização em 30 de agosto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), o relator do projeto, deputado Diego Garcia (Republicanos), atestou tratar-se de uma proposta inconstitucional. Isso porque o Presidente da República já estaria autorizado a criar universidades federais conforme a Constituição Federal, não sendo necessária uma lei para isso.

PICs

E mais uma vez a Constelação Familiar volta à agenda do Congresso. O Requerimento 649/2022, do senador Eduardo Girão (PODE) e outros ﹘ inclusive o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) ﹘, tem como objetivo a realização de uma sessão especial, em 19 de setembro, para homenagear a prática pseudocientífica. A ideia foi aprovada e será agendada pela Secretaria-Geral da Mesa.

O mesmo senador promoveu em março deste ano uma audiência pública sobre o assunto. Na ocasião, os relatos em defesa da Constelação Familiar foram de cunho pessoal anedótico, sem base em boa evidência científica. Conforme texto de Cesar Baima para a Revista Questão de Ciência, a estratégia de colocar essas práticas em um palco institucional tem sido usada por grupos negacionistas ou pseudocientíficos para trazer “credibilidade”.

Voltou a tramitar a pauta sobre a regulamentação e fiscalização da profissão de acupuntura, que já foi notícia no Observatório nas semanas anteriores. O PL 531/2019, que tem como autora a deputada Erika Kokay (PT), tramita a uma velocidade 30% maior que outros do mesmo tipo e estabelece quem pode ser acupunturista. Para o exercício profissional, é necessário preencher um dos seguintes pré-requisitos: possuir um diploma de nível médio, superior ou pós em acupuntura ou estar na profissão até a lei ser promulgada.

Já há como se graduar em acupuntura, em cursos autorizados pelo MEC, fora as diversas pós-graduações, inclusive em insituições públicas ﹘ a Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, oferece a especialização. Com a lei, tal prática sem qualquer comprovação científica será cristalizada e terá o peso de outras profissões relevantes na saúde. Na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) em 30 de agosto, foi encerrado o prazo para emendas ﹘ nenhuma foi apresentada.

Na mesma direção, o PL 3416/2015, do deputado Giovani Cherini (PL), busca também regulamentar uma das PICs como profissão, a arteterapia. Conforme destacamos em outros relatórios, as artes plásticas geram bem-estar psicológico, mas para comprovar sua eficácia enquanto intervenção terapêutica para problemas específicos, são necessários mais estudos, com grupos maiores de voluntários. Em 30 de agosto, foi aprovado o parecer do projeto pela deputada Flávia Morais (PDT). O deputado Tiago Mitraud (NOVO) se posicionou contra.

Outras proposições para ficar de olho:

PL 2033/2022

Descrição: Altera a Lei 9656/1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer hipóteses de cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.

Status: No Senado, o Projeto foi encaminhado à sanção presidencial, em 05/09/2022.

PL 2355/2022

Descrição: Cria o Programa Nacional de Equalização da Remuneração dos Profissionais da Enfermagem (PRONEPE).

Status: Em 01 de setembro, foi recebido pela CSSF.

 

PL 6001/2019 (Nº Anterior: PLS 412/2018)

Descrição: Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para tornar obrigatória a divulgação anual dos critérios e dos valores para a remuneração de serviços e dos parâmetros de cobertura assistencial no Sistema Único de Saúde (SUS).

Status: Em 31/08/2022, foi alterado seu regime de Tramitação, em virtude da alteração do regime do PL 1435/2022 (logo abaixo), por ter sido aprovado o REQ 987/2022 que está apensado ao primeiro.

PL 1435/2022

Descrição: Dispõe sobre a revisão periódica dos valores de remuneração dos serviços prestados ao Sistema Único de Saúde ﹘ SUS, com garantia da qualidade e do equilíbrio econômico-financeiro.

Status: Em 31/08/2022, foi aprovado requerimento n. 987/2022 do Sr. Antonio Brito que requerimento de urgência à proposição, na Câmara. 

PL 5999/2019 (número anterior: PLS 39/2017)

Descrição: Altera a Lei 5851/1972 para prever que constituirão recursos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) os oriundos dos contratos de transferência de tecnologias e dos licenciamentos para exploração comercial de tecnologias, de produtos, inclusive cultivares protegidos, de serviços e de direitos de uso da marca e para dispor sobre a aplicação desses recursos.

Status: Na Câmara, a redação final do projeto foi aprovada em 31/08/2022. Confira mais sobre essa proposta no relatório legislativo do IQC de 23 de julho.

PL 3697/2012

Descrição: Dispõe sobre o programa de agendamento de consultas e entrega domiciliar de medicamentos de uso contínuo às pessoas portadoras de necessidades especiais e idosos em todo o território nacional, e dá outras providências.

Status: Foi encerrado o prazo para a apresentação de emendas ﹘ nenhuma foi apresentada ﹘, em 29/08/2022, na comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (CIDOSO), Câmara.  

PL 6120/2019

Descrição: Cria o Inventário Nacional de Substâncias Químicas com o objetivo de consolidar uma base de informação sobre as substâncias químicas produzidas ou importadas no território brasileiro e dá outras providências.

Status: Foi encerrado o prazo para a apresentação de emendas ﹘ nenhuma foi apresentada ﹘, em 29/08/2022, na Câmara.  

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